sábado, 7 de fevereiro de 2009

Sim, eu sou completamente apaixonada pelo Jabor!

Como parar de se preocupar e amar o crash

O crash é bom. Vai nos dar uma consciência mais humilde de nossos limites. Até que enfim, algo está acontecendo, depois de meses de suspense.
O crash traz uma nova era; terrível ou não, alguma verdade vem ai. Como chamá-la? A pós-pós-modernidade? O pós-apocalipse? A ”desglobalização”? A única coisa que não será “pós” é a burguesia, claro. Não há “pós-burguesia”.
O crash é bom para fracassados, pois estão desculpados. O crash é ruim para catastrofistas; que farão agora? O crash é bom para o contato com o absurdo. Neste sentido, o crash é filosófico.
Beckett e Cioran serão livros de auto-ajuda.
Ficaremos mais espiritualizados com o crash. Num primeiro momento o horror, bolsas caindo, grana sumindo. Depois, a paz do inevitável, a calma da desgraça assumida – vejam o rosto pacífico dos famintos do Sudão. A fome traz uma paz desesperançada. O crash trará uma súbita revivência de faquires. O crash vai mostrar que a voracidade consumista não é a única maneira de viver. Vai nos fazer mais magros e mais frugais. Ficaremos mais elegantes com o crash. Crash chic.
O crash nos mostrará que há dois medos diversos: o medo "mano” e o medo playboy, medo periférico e medo “Jardins”. O maior medo é dos investidores – pobre já está no crash há tempos; terá apenas que realocar sua falta de recursos.
O crash é bom porque vai nos lembrar que não temos nada a perder, a não ser nossos liquidificadores. O crash vai apagar um pouco do sorriso dos colunáveis sorrindo nas revistas. O crash vai fechar a Caras. O crash vai provocar uma onda de suicídios de milionários diante dos olhos calmos dos miseráveis vingados. Com menos importação de BMWs, vai melhorar o trânsito de São Paulo. O crash vai instalar humildade nas almas yuppies. Vai acabar com suspensórios floridos e gravatas de pintinhas...
O crash vai acabar com os anúncios globais da IBM, unindo negros felizes na Nigéria com amarelos felizes na Mongólia e brancos felizes no Canadá. O crash vai mostrar que os EUA também não fizeram o “dever de casa”, como nos acusam. O crash vai obrigar a criação de um “neokeynesianismo transnacional”, como disse o Kurz, que é um gênio. O Soros vai chorar, Greenspan está falando em justiça social, japoneses vão restaurar a grandeza perdida por Mishima.
O crash vai trazer os hippies de volta, as drogas lisérgicas, o artesanato de couro. O crash é bom porque vai reviver a poesia, a arte, mortas pelo mercado. O crash é uma renascença. Haverá uma estética do crash. O crash vai entrar na moda, roupas recicladas, maior inventividade, sem luxo. Vai ressurgir a povera.
No crash teremos mais tempo para ler. O crash vai criar escolas filosóficas: o “pirronismo” absoluto, a escatologia escatológica: “a merda está no fim da história” (uma espécie de Hegel de costas) e um neoniilismo pragmático.
O neomarxismo será in, o neogetulismo também. Haverá bares de intelectuais fumando na madrugada, cheios de esperançoso pessimismo.
Os filmes americanos ficaram felizes e musicais como no tempo do crash de 29. Fred Astaire vai dançar com Ginger Rogers de novo. O crash acaba com os filmes de grande produção. O crash vai acabar com os Titanics. Graças a Deus. O crash vai nos livrar dos grandes shows de rock, das grandes bandas revoltadas, vai nos livrar dos World Trade Centers, dos best-sellers, das supercervejarias, dos Canecões, da publicidade com homens escalando geleiras e voando no Himalaia. O crash acabará com a dança do tchan. Será a dança do crash.
Com a nova guerra fria entre russos e americanos, indianos e paquistaneses, Oriente e Ocidente usando Antrax contra Tomahawks, teremos a restauração da beleza da morte e não mais sua banalização pelos Van Dammes e Stallones. O crash vai trazer um novo sabor de verdade a esta ópera-bufa que vivemos. Acaba o pastelão e começa a tragédia real.
O crash vai acabar com esse tédio administrativo e mercadológico. O crash será um thrill para nossas vidas. A paz é chata; parece filme iraniano. A guerra é que é legal, como filme de ação.
O crash
vai também revitalizar o inútil, a importância do nada, da ausência de urgências, uma saudável tristeza vil. O crash vai acabar com a arrogância do capitalismo, com sua idéia de progresso sem fim. O progresso sem significado faz da vida um acontecimento sem significado. O crash vai acaba com os programas espaciais e nos fazer voltar os olhos para a Terra.
O crash vai acabar com esse bom senso insuportável que nos rege. Vai restaurar novos anos 60. Neobeatles virão... O crash vai acabar com os emergentes. Sem consumo, o crash vai estimular o sexo... Já que não teremos nada a fazer. E também vai justificar broxadas: “minha filha... desculpe... é o crash...”. O crash vai acabar com o grande movimento em aeroportos e diminuirá sensivelmente o numero de barrigudos falando alto em celulares. O crash fecha Miami.
O crash é retro, delicioso – voltaremos aos anos 50, de onde nunca saímos, na verdade. O crash vai nos tirar a ansiedade cansativa e nos dar finalmente a repousante depressão.
O único problema do crash é que ele vai revitalizar os fascismos. A Rússia vai ser fasci-comuna, chantageando o Ocidente com bombas, a China também. E isto, naturalmente, poderá causar uma guerra total, na qual morreremos todos, já que o espetáculo da História humana foi esse vexame milenar de busca de esperanças vãs, também isto é bom. O crash é bom para acabar conosco, esta raça daninha que atrapalho o livre curso da natureza. Logo, não se preocupe.(texto de Arnaldo Jabor em "A invasão das salsichas gigantes e outros escritos")

Um grande beijo aos amantes de Karl Marx e suas teorias! :**

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